segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A semente


Incumbida uma velha árvore de dissertar sobre a palavra semente em implacável crítica examinou-se constatando-se irremediavelmente irregular, rueira, inconveniente, suas raízes inchadas visivelmente atrapalhando os andantes e flanadores. Muitos cidadãos e cidadãs pensaram impreteríveis em denunciá-la à prefeitura exigindo sua eliminação. Refletia então a árvore medrosa, encolhida, covarde: fui apenas floração, acolhimento, frutificação e resistência imóvel de minha semente. Usei todos os meios de que dispunha para equilibrar os descuidos, as injustiças, sol e chuva excessivos, o desprazer, a pressa e a esterilidade. Se eu pudesse dialogar com a minha semente com a minha origem olhando-me e analisando-me o que me diria ela? Estás afinal conveniente? Confluente? Consistente? Contente? Parente e confidente de tuas folhas? De teus galhos? Teus frutos? Teus pássaros visitantes? Teus jardineiros? Sim responderia eu a minha curiosa e ansiosa semente. Procuro manter com todos diálogo de harmonia florais oxigenadas, perfumadas e acolhedoras. Se perdermos este diálogo quem continuaria a buscar algum refrão festivo? Quem escutaria em avidez os líquidos deleites e perfumes que acho e guardo com cuidado? Quem ouviria a confidência dos passantes dos caminhos das estradas que sob nós param mendigando um pouco de sombra de refrescamento readquirindo uma calma renovação? Onde se respirará a circulação do oxigênio nesta cidade desapiedada de tudo, de ritmos já tão difíceis, desequilíbrios apavorantes, cuja a contingencia constante é a violência da morte, do tiroteio, do contrabando, sem remissão?
Se nos ouvissem poderíamos apontar como estarrecedores os métodos usados contra SAKINEH. Outras vítimas não haveriam mais neste mundo de apedrejamentos, escamoteações, tortura, concluídos e conclusivos. Eis o que a árvore dialogou com sua semente num momento em que os vegetais são e estão mais audíveis e compreensíveis que muitos mandantes e comandantes desses incompreensíveis poderios em que se tornou nosso universo hodierno.